Já decorreu mais de um ano desde a última vez que abordamos o assunto de “jonguer as vacas”. O Objectivo, desferido por alguns dos nos nossos leitores, era que fosse lançado um assunto e que os visitantes através da sua própria experiência, ou de informação recolhida junto de terceiros, pudessem ir prestando informações sobre os
utensílios, os termos os costumes, etc. No final faríamos uma compilação, e ficaríamos com um rico dicionário de usos e costumes da nossa magnifica terra.
FICA O DESAFIO, VAMOS AGARRA-LO COM AFINCO
Na altura, um dos nossos fiéis leitores enviou-me um texto para que eu fizesse dele o que quisesse. Pois bem, vou publica-lo, mantendo o anonimato a seu pedido.
“Vamos jungir as vacas
O homem, através dos tempos, tendo em vista a sua própria sobrevivência, teve necessidade de, abater e domar os animais que melhor o serviam, daí que, nas nossas paragens, foram as vacas – serranas ou autóctones - as domesticadas, as quais são utilizadas como força motriz pelos agricultores, nos trabalhos do campo e seus serviços associados.
Estes animais, tem para o lavrador, além de ser mais dócil, um outro factor, fonte de rendimento, leite, crias e carne. Estes animais, por razões de segurança, a fim de não irem parar à mão do alheio, são guardados nas lojas, divisão da casa a nível do rés-do-chão, ao mesmo tempo que servem de aconchego, base de aquecimento, quer com o seu próprio bafo, quer com a bosta em apodrecimento com os tojos, estrume.
O Sol, desapareceu, caiu a noite, Zé Manel, pai de família, homem da terra, corpulento, de cara redonda, pele morena e cabelo farto, embora já meio grisalho, ao lume , lareira, fala com a sua Maria, uma mulheraça, sobre o seu dia de trabalho, ao mesmo tempo que orienta os filhos para o serviço a realizarem no dia seguinte.
Olhando para o mais velho, enquanto churipitava, bebia um golito do tinto madurão, quer dizer com graduação elevada, pela em fusa, amanhã, juntamente com a tua irmã ides buscar um carro de estrume, tojos, carregas na leira de cima, foi lá onde o teu irmão os roçou. É preciso ter cuidado com os tombadoiros e nunca o fazer muito traseiro. Eu levanto-me mais cedo e desougo, as vacas e aparto os bezerros, cuidado com a vaca preta que ela é arisca, a castanha é da mão direita. Não as piques de frente, a tua irmã que as tenja. Levas a vara de castinheiro, a de marmeleiro fica para as feiras. O apeiro, jugo e chavelha – estão na loja das batatas. O carro, estadulhos e corda estão no quinteiro lado da barra. Antes de sair untas o eixo com pingo e monges a cabana, lava-lhe primeiro o úbre.
Começa a romper o dia, o rapaz, lá deixou as palhas. Sua irmã já o aguarda, junto da loja. Deitadas as vacas fora da corte e emparelhadas que foram, colocadas as corneiras, mulhelhas e jugo, a asela da soga é colocada na parte exterior do jugo, passando pela frente da mulhelha e lado exterior do corno que fica no lado da cabeçalha, passa sobre o jugo e volta pelo mesmo sítio, parte exterior do jugo, seguindo pelo corno cruzando a mesa do jugo até ao corno que fica do lado da cabeçalha, depois de passar sob o mesmo, segue, depois de passar pelo corno, o caminho inverso sendo arrematado no cento do jugo com o respectivo laço. Está assim jungida a primeira vaca, sendo a outra jungida de igual modo como a primeira. De referir que antes de se iniciar, definitivamente, a acção de jungir, uma vaca é imperioso e obrigatório, para efeitos de segurança, amarrar a cabeça da outra vaca para, casos há que se tornam irrequietas e perigosas, dado que ficam soltas.
Jungidas as vacas e apostas ao carro, é colocado sobre o estrado do carro, a forcalha , engaço, ganchos , uns fachucos os quais vão servir para desougar as vacas enquanto se carrega o carro e uma enxada.
Terminada esta tarefa, que demora cerca de dois quartos de hora, lá vão os manos pelo caminho sinuoso e agreste, ele de candeeiro e ela de dama sentada nas chedas.
Agora na leira de cima e já com os tojos juntos, ele arranja o poiso ideal para carregar o carro, tendo em atenção as recomendações dadas pelo dono da casa.
Colocado o carro a direito, supostamente a nível, recorrendo-se da enxada para colocar sob a cabeçalha, foi necessário arranjar uma escora para as chegas. Carro nivelado e vacas a comer a palha, começa o rapaz por deitar as primeiras forcalhadas de tojos ao carro procurando assim fazer o alicerço para a grande carrada já que o rapaz, filho de lavrador que se preza, não quer trazer uma fachina.
Feita a base, alicerço, o rapaz salta para o carro e, forcalhada a forcalhada, colocada ora na esquina, ora no meio, ora na borda, está finalizada a carga, a qual diga-se se passagem é uma grande muleta.
A irmã, mulher já feita a passar as duas décadas de idade, limpa os tornos, e a dianteira do carro de tojos, para que as vacas não sejam incomodadas, com o esfregar da rabada nos tojos.
A lançada a corda e apertado o carro, com a asela de camionista, que a rapriga sabia fazer, dado ter travado conhecimento, namorico, com um da terra, que para agora anda por terras de Belém do Pará e apostas as vacas ao carro, regressam a casa, sem que primeiro, ambos se benzam e implorem as suas preces ao Divino a fim de terem sorte na viagem, embora as vacas sejam corpulentas, valentes e de invejar.
Assim, decorridas duas horas, são chegados ao local de partida, sem que lhe tenha corrido algo de anormal.
De referir que o lavrador, homem com três vacas, três filhos, em fusa , lume, carro das vacas, já era um sonhador para a época.”